- Mãe, veja aqui meu coração!
Aritmia. O coração sem ritmo. Ele perdeu o compasso quando você viajou.
Em alguns momentos ele bate bem forte como se fosse um desespero; como se fosse eu perdendo alguém. Quando a gente perde alguém o coração bate forte e acho que se pode até morrer. Pode-se até morrer...
E então? Onde você está para cuidar de mim? Para me devolver o ritmo...? Não adianta vir com esse papo de que o ritmo está em mim. Se tudo realmente estivesse em mim eu não precisava viver. Viver é uma necessidade de quem não tem. E, por Deus, não tenho tanta coisa... Às vezes sinto que tenho tudo que preciso. Mas para que serve ter tudo? Tendo tudo vamos para onde? Não. Ninguém tem tudo.
O meu amor me disse que tem muitos buracos e eu duvidei; achei absurdo. Como pode o amor ter buracos? Mas depois compreendi; vi que é possível porque eu mesma me descobri um buraco inteiro. E meu coração bate enquanto diz: caia em mim, habite-me, cubra-me...
Qual é o limite de um buraco? Pode um buraco ser incrivelmente grande, tão profundo que seja infinito? Pode existir o infinito? E se o infinito pode ser, podemos nós duas ficarmos juntas? O impossível existe?
Mãe, vem ver meu coração porque ele não me parece bem...
No caso de alguém morrer de amor, isso é morte morrida ou morte matada? Não me diga que é morte morrida somente porque não acredito. Você pode até dizer que cavei a minha morte e me enterrei em minha própria cova; que armei minha própria fogueira e que me encharcando de álcool acendi o fósforo derradeiro. Você talvez me dirá isso, mas não acreditarei, simplesmente porque não acho justo e nem é possível que um ser não tenha nem um pingo de responsabilidade sobre o outro.
Se morri de amor, foi de morte matada - e calculada. Perdoe-me se pareço cruel, mas é que só pareço, não sou, pois ser cruel é diferente de crua. Estou especialmente crua porque me sinto como uma mesa farta sem ninguém. Ou será que sou aquele peixe inteiro oferecido no centro da mesa em uma travessa, eu com os olhos ainda lá vivos esbugalhados; nadadeiras intactas e inúteis fora d'agua, com todas as escamas ainda. Estou cru: o peixe do jantar que não foi tratado. Em todos os casos foi morte matada. Ah! Perdoe-me... Não lhe disse, meu amor, minha paixão, o que vem a ser uma morte morrida e uma morte matada. É assim: Morte morrida é quando você já está, digamos, velha e morre dormindo, por exemplo. Ou então, quando você não está nem velha nem dormindo, mas morre de doença e morre em paz. Agora, já a morte matada é quando alguém te mata. Aí é uma morte violenta e provoca muita dor. Metade da dor é física e a outra metade da dor é de indignação.
Pronto. Agora você já sabe. E agora, o que você acha? Não precisa me responder. Por favor, se puder não pense de mais porque eu sei que o que afirmei pode também lhe causar dor. Na verdade nem sei se também você sofre do mesmo mal que eu. Será que daí desse lado você ainda respira? E o seu coração será que ainda bate? Será que, será que... Ah, eu não sei nada sobre você, minha amada desconhecida, minha querida estrangeira... Sabe, eu também sou estrangeira. Sou brasileira, mas o meu sentimento é de estrangeirismo. Creio que no fundo todo mundo é estrangeiro dentro de si mesmo. Porque me dá a impressão de que o eu que habita este corpo é diferente do si mesmo que fala através deste corpo. Será que você está me entendendo, flor? Sou demasiado obscura em meu português ao mesmo tempo pobre e prolixo? Perdoe-me. Perdoe-me novamente por não me fazer entender.
Mas, olha, lembra das vezes em que meu corpo ficou bem perto do seu, em que meus olhos miravam bem de perto os seus.. Nesses momentos em que nada falei com os lábios; preste atenção, nesses momentos eu falei demais. Por acaso você não sentiu que eu te amava? Por acaso você não sentiu que eu sentia já sua falta mesmo estando ainda perto? Em algum momento você deve ter sentido que eu estava desesperada, que eu estava sem saber o que fazer com o que você colocou em minhas mãos. Pois isto que você me deu, sem saber que dava, não era sequer areia que escorre pelas mãos e entre os dedos. O que você me deu é do tipo de coisa que penetra, como uma injeção que se toma na veia e o sangue coagula e o antigo conteúdo da seringa se perde para sempre no seu corpo. Para sempre no meu corpo.
Você se sentiu dentro de mim em algum momento? É disso que estou falando.
Eu sofro, Maria. Olha só que coisa engraçada. Humanos sofrem. E eu sofro agora e sofro depois pela sua ausência. Porque se ausentar não é coisa boba. Uma ausência de uma pessoa a quem se ama muito é coisa muito séria. Leve a sério isto que lhe digo. Não te apiedes de mim, apenas leva a sério porque ter o amor de alguém é coisa da maior importância. Importante como viver.
Embora eu não vá sofrer para sempre. Aprendi a entrar em erupção. Depois disso, é outra morte, é outra vida. Mas independente disso, quero lhe dizer que se o infinito e o impossível existem, eu quero ficar com você e dormir ainda muitas noites enroscadas em suas pernas e respirando sua respiração e ouvindo o som do mar ao longe, ambas pelo mesmo ouvido. Quero ainda atravessar de barco outros mares e com você questionar os navios japoneses ali parados.
Mas se o infinito não for possível e a vida for menos risível do que supomos, aí então nossa história termina aqui e será um tanto triste. Aí será triste e pronto. Será mais um ponto.
Só que não precisa ser assim, não é? É só você me dar a mão. É só me dar a mão... É. Eu sei, não é tão fácil assim. Sei que você tem receio do que pode vir a ser e que dar a mão a alguém nessa situação pode ser sufocante. Não quero te ver sufocada, eu só quero respirar contigo, como as pedras e o mar respiram juntas - e uma natureza é tão diversa da outra...
Mas me abandonará como se eu fosse um porto. À medida que vais avançando e eu vou ficando para trás o inverno chega, o revés se instala. O mergulho das gaivotas me atinge na pele. A cada mergulho dão bicadas certeiras na mesma ferida. E você, com o olhar ao longe, voando entre as nuvens; não desconfia da chuva que precipita na estratosfera; não desconfia da onda que quebra na areia deixando buracos, nem do chocolate derretido sobre a cama, nem das formigas que, mais rápidas que um avião, se envenenam. De tanto açúcar, tanto açúcar... Quando você for embora ficarei coberta de açúcar entregue às formigas. Não entenderei nada. Não serei para ninguém. Estarei como morta de morte matada, mas não foi você, foram as formigas... foi tanta doçura.
Tu vais com o olhar ao longe... Vais sonâmbula, minha borboleta sonhadora. E eu cá, de sonhos também.
Eu preciso aprender a ser só
(Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
Ah, se eu te pudesse fazer entender
sem teu amor eu não posso viver
que sem nós dois o que resta sou eu
eu assim tão só
e eu preciso aprender a ser só
poder dormir sem sentir teu calor
saber que foi só um sonho e passou
ah, o amor
quando é demais, ao finda leva a paz
me entreguei sem pensar
que a saudade é triste
e se vem é tão triste viver
meus olhos choram a falta dos teus
estes teus olhos que foram tão meus
por deus, entenda que assim eu não vivo
eu morro pensando em nosso amor
Se morri de amor, foi de morte matada - e calculada. Perdoe-me se pareço cruel, mas é que só pareço, não sou, pois ser cruel é diferente de crua. Estou especialmente crua porque me sinto como uma mesa farta sem ninguém. Ou será que sou aquele peixe inteiro oferecido no centro da mesa em uma travessa, eu com os olhos ainda lá vivos esbugalhados; nadadeiras intactas e inúteis fora d'agua, com todas as escamas ainda. Estou cru: o peixe do jantar que não foi tratado. Em todos os casos foi morte matada. Ah! Perdoe-me... Não lhe disse, meu amor, minha paixão, o que vem a ser uma morte morrida e uma morte matada. É assim: Morte morrida é quando você já está, digamos, velha e morre dormindo, por exemplo. Ou então, quando você não está nem velha nem dormindo, mas morre de doença e morre em paz. Agora, já a morte matada é quando alguém te mata. Aí é uma morte violenta e provoca muita dor. Metade da dor é física e a outra metade da dor é de indignação.
Pronto. Agora você já sabe. E agora, o que você acha? Não precisa me responder. Por favor, se puder não pense de mais porque eu sei que o que afirmei pode também lhe causar dor. Na verdade nem sei se também você sofre do mesmo mal que eu. Será que daí desse lado você ainda respira? E o seu coração será que ainda bate? Será que, será que... Ah, eu não sei nada sobre você, minha amada desconhecida, minha querida estrangeira... Sabe, eu também sou estrangeira. Sou brasileira, mas o meu sentimento é de estrangeirismo. Creio que no fundo todo mundo é estrangeiro dentro de si mesmo. Porque me dá a impressão de que o eu que habita este corpo é diferente do si mesmo que fala através deste corpo. Será que você está me entendendo, flor? Sou demasiado obscura em meu português ao mesmo tempo pobre e prolixo? Perdoe-me. Perdoe-me novamente por não me fazer entender.
Mas, olha, lembra das vezes em que meu corpo ficou bem perto do seu, em que meus olhos miravam bem de perto os seus.. Nesses momentos em que nada falei com os lábios; preste atenção, nesses momentos eu falei demais. Por acaso você não sentiu que eu te amava? Por acaso você não sentiu que eu sentia já sua falta mesmo estando ainda perto? Em algum momento você deve ter sentido que eu estava desesperada, que eu estava sem saber o que fazer com o que você colocou em minhas mãos. Pois isto que você me deu, sem saber que dava, não era sequer areia que escorre pelas mãos e entre os dedos. O que você me deu é do tipo de coisa que penetra, como uma injeção que se toma na veia e o sangue coagula e o antigo conteúdo da seringa se perde para sempre no seu corpo. Para sempre no meu corpo.
Você se sentiu dentro de mim em algum momento? É disso que estou falando.
Eu sofro, Maria. Olha só que coisa engraçada. Humanos sofrem. E eu sofro agora e sofro depois pela sua ausência. Porque se ausentar não é coisa boba. Uma ausência de uma pessoa a quem se ama muito é coisa muito séria. Leve a sério isto que lhe digo. Não te apiedes de mim, apenas leva a sério porque ter o amor de alguém é coisa da maior importância. Importante como viver.
Embora eu não vá sofrer para sempre. Aprendi a entrar em erupção. Depois disso, é outra morte, é outra vida. Mas independente disso, quero lhe dizer que se o infinito e o impossível existem, eu quero ficar com você e dormir ainda muitas noites enroscadas em suas pernas e respirando sua respiração e ouvindo o som do mar ao longe, ambas pelo mesmo ouvido. Quero ainda atravessar de barco outros mares e com você questionar os navios japoneses ali parados.
Mas se o infinito não for possível e a vida for menos risível do que supomos, aí então nossa história termina aqui e será um tanto triste. Aí será triste e pronto. Será mais um ponto.
Só que não precisa ser assim, não é? É só você me dar a mão. É só me dar a mão... É. Eu sei, não é tão fácil assim. Sei que você tem receio do que pode vir a ser e que dar a mão a alguém nessa situação pode ser sufocante. Não quero te ver sufocada, eu só quero respirar contigo, como as pedras e o mar respiram juntas - e uma natureza é tão diversa da outra...
Mas me abandonará como se eu fosse um porto. À medida que vais avançando e eu vou ficando para trás o inverno chega, o revés se instala. O mergulho das gaivotas me atinge na pele. A cada mergulho dão bicadas certeiras na mesma ferida. E você, com o olhar ao longe, voando entre as nuvens; não desconfia da chuva que precipita na estratosfera; não desconfia da onda que quebra na areia deixando buracos, nem do chocolate derretido sobre a cama, nem das formigas que, mais rápidas que um avião, se envenenam. De tanto açúcar, tanto açúcar... Quando você for embora ficarei coberta de açúcar entregue às formigas. Não entenderei nada. Não serei para ninguém. Estarei como morta de morte matada, mas não foi você, foram as formigas... foi tanta doçura.
Tu vais com o olhar ao longe... Vais sonâmbula, minha borboleta sonhadora. E eu cá, de sonhos também.
Eu preciso aprender a ser só
(Marcos Valle / Paulo Sérgio Valle)
Ah, se eu te pudesse fazer entender
sem teu amor eu não posso viver
que sem nós dois o que resta sou eu
eu assim tão só
e eu preciso aprender a ser só
poder dormir sem sentir teu calor
saber que foi só um sonho e passou
ah, o amor
quando é demais, ao finda leva a paz
me entreguei sem pensar
que a saudade é triste
e se vem é tão triste viver
meus olhos choram a falta dos teus
estes teus olhos que foram tão meus
por deus, entenda que assim eu não vivo
eu morro pensando em nosso amor
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